O texto a seguir foi escrito há mais
de 30 anos e já apontava para o comportamento da sociedade em um mundo
globalizado.
O que fazemos quando viajamos? Procuramos
logo um Shopping com suas lojas, restaurantes e lanchonetes conhecidas?
A desterritorialização da cultura
Enzensberger (ENZENSBERGER, H. M.
Com raiva e paciência. Rio de
Janeiro, Paz e Terra. 1985) conta a história de um executivo alemão que foi
mandado à China para projetar uma grande instalação industrial. Durante algumas
semanas, devido às exigências de sua profissão, ele se vê obrigado a viver uma
experiência amarga. Não fala chinês, desconhece os costumes locais, ressente-se
da falta dos automóveis, encontra-se na contingência de partilhar um modesto
quarto de hotel com outro viajante qualquer. De retorno a Hong Kong, sua
conexão para voltar à Europa, respira aliviado. A paisagem que o cerca é sua
velha conhecida. Mas por que um alemão sente-se em casa em Hong Kong? O que lhe
é tão familiar neste lugar longínquo?
A história de Enzensberger, talvez uma
fábula, recoloca o tema da desterritorialização. [...]
[...] Nos pontos mais
distantes, Nova York, Paris, Zona Franca de Manaus, na Ásia ou na América Latina
nos deparamos com nomes conhecidos – Sony, Ford, Mitsubitschi, Phillips,
Renault, Volkswagen.
Qual o significado disso? Que a mundialização não se sustenta
apenas no avanço tecnológico. Há um universo habitado por objetos
compartilhados em grande escala. São eles que constituem nossa paisagem, mobiliando
nosso meio ambiente.
As corporações transnacionais, com seus produtos
mundializados e suas marcas facilmente identificáveis, balizam o espaço mundial.
Biscoitos Nabisco, iogurte Danone, chocolate Nestlé, cerveja Budweiser, tênis
Reebok mapeiam nossa familiaridade. Sem
essa modernidade-objeto, que impregna os aeroportos internacionais (são
idênticos em todos os lugares), as ruas do comércio (com suas vitrinas e
mercadorias em exposicão), os móveis de escritórios, os utensílios domésticos,
dificilmente uma cultura teria a oportunidade de se mundializar. É a esta
presença cheia, de um espaço desterritorializado, que Enzensberger serefere.
A
China Popular, para nosso executivo alemão,é um "mundo" distante,
inóspito. Em seu território, tudo lhe é estranho. Em contrapartida, Hong Kong r
representa algo próximo, um recanto povoado por coisas de sua vida prosaica
(hotéis, padrão de refeição e de conforto, táxis etc.).
Envolvido por uma miríade
de objetos-mobílias, ele sente-se à vontade neste mundo-mundo. Familiaridade
que se realiza no anonimato de uma civilização que minou as raízes gráficas dos
homens e das coisas. (ORTIZ, Renato. Mundialização
e Cultura. São Paulo, Brasiliense, 1994. p.105, 107-108)
E você se identificou com o alemão?
Fonte: Livro de Maria Lúcia A. Aranha e Maria Helena P.
Martins "Filosafando, introdução à filosofia"
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