
A cultura – palavra e conceito – é de origem romana.
A palavra “cultura” origina-se de
colere – cultivar, habitar, tomar
conta, criar e preservar – e relaciona-se essencialmente com o trato do homem
com a natureza, no sentido do amanho e da preservação da natureza até que ela
se torne adequada à habitação humana. Como tal, a palavra indica uma atitude de
carinhoso cuidado e se coloca em aguda oposição a todo esforço de sujeitar a
natureza à dominação do homem.
Em decorrência, não se aplica apenas
ao amanho do solo, mas pode designar, outrossim, o “culto” aos deuses, o
cuidado com aquilo que lhes pertence. Creio ter sido Cícero quem primeiro usou
a palavra para questões do espírito e da alma. Ele fala de excolere animum, cultivar o espírito, e de cultura animi no mesmo sentido em que falamos ainda hoje de um
espírito cultivado, só que não mais estamos cônscios do pleno conteúdo
metafórico de tal emprego...
O significado da palavra “cultura”,
porém, dificilmente é esgotado por esses elementos estritamente romanos. Mesmo
a cultura animi de Cícero sugere
alguma coisa como gosto e, de maneira geral, sensibilidade à beleza, mas não
naqueles que fabricam coisas belas, isto é, os artistas mesmos, e sim nos
espectadores, os que se movem entre elas.
E semelhante amor à beleza os
gregos possuíam, é claro, em grau extraordinário. Nesse sentido, compreendemos
por cultura a atitude para com, ou melhor, o modo de relacionamento prescrito
pelas civilizações com respeito às menos úteis e mais mundanas coisas, as obras
de artistas, poetas, músicos, filósofos e daí por diante.
Fonte: Entre
o passado e o futuro, de Hannah Arendt
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